Sunday, September 4, 2011

A professora da setima serie


Praia de Morro Branco, julho de 2011

No ano de 1991 eu tinha 12 anos e bilhoes de sinapses pra formar no que diz respeito a relacionamentos. Eu sentia que estava diferente, mas havia muito a descobrir sobre o que eu queria ser, sobre quem eu era. Eu e minhas amigas ja estavamos virando mocinhas, as conversas tinham mudado e o comeco do ano na escola era recheado de duvidas e promessas.

Foi quando ela apareceu. Entrou na sala dizendo que seria a nova professora de portugues. Eu tentei ser o mais arredia que pude, tinha que mostrar minha insatisfacao pra ela, entao eu fiquei comendo um picole dentro da sala de aula como forma de provoca-la. Ela olhou pra mim, pro meu picole, deixou bem claro que entendeu a mensagem implicita, mas nada disse a esse respeito. Continuou se apresentando e aos poucos eu fui me interessando pelo seu jeito de falar. Os dias foram passando e aquelas aulas cada vez mais me interessavam. Lembro que ela disse que seu papel nao era enfiar na nossa cabeca que uma tal oracao era "subordinada adjetiva objetiva direta",mas nos tornar "seres pensantes e capazes de desviar de um obstaculo na pista ao inves de simplesmente pisar no freio".

Quando minha cachorrinha morreu envenenada - o que foi uma tragedia pra mim naquela epoca- ela me mandou escrever em vez de chorar (sim, eu estava tao arrazada com a perda da minha amiguinha que chorei na sala de aula). Foi assim que eu descobri o poder que as palavras tem. Foi um alivio tao grande desabafar naquela folha de caderno toda a angustia e sofrimento que eu estava sentindo que achei que nunca mais deixaria de fazer aquilo. O fato e que eu deixei por muito tempo de escrever.. mas hoje estou aqui tentando recomecar... Ela elogiou minha redacao, disse que tinha muito sentimento ali e que eu punha verdade naquelas palavras. Pediu pra ficar com a folha e nunca mais me devolveu. Nesta epoca li "O Estudante" e sofri porque depois de ler aquele livro eu queria livrar o mundo das drogas, mas descobri que minha indignacao de nada adiantaria porque outros adolescentes como Renato continuariam arruinando suas vidas atraves das drogas. Ela me consolou.

Neste mesmo periodo comecei a namorar. Estava apaixonada aos doze anos. Tinha certeza de que aquele seria o homem com quem iria me casar, ter filhos e que viveria o resto de minha vida ao lado dele. Durante uma aula, perguntei sobre o que ela achava de uma mulher casar com o primeiro namorado (eu estava certa de que ela iria dizer coisas lindas e imaculadas sobre a moca que tem como marido o primeiro amor da sua vida, que jamais beijara outro que nao aquele, que sempre foram dele todos os seus pensamentos e sonhos...). Mas ela disse NAO! "Isso seria realmente uma coisa muito ruim na vida de uma mulher, porque dessa forma ela seria moldada pelo parceiro do jeito que ele bem quizesse, que seriam dele as suas opinioes, desejos, pensamentos e todo o mais que ele pudesse manipular. Nao, uma mulher tem que estudar, amadurecer por si mesma, ter vontade propria, o maximo de conhecimento que puder acumular e, principalmente, tem que fazer uma escolha". Mas eu estava fazendo a minha escolha... Puxa, como estava decepcionada com ela... Eu ja tinha DOZE anos, tinha a "cabeca feita", sabia muito bem o que queria da vida! Como ela me subestimou desse jeito?

Pouco tempo depois, perto do fim do primeiro semestre ela entrou na sala com uma expressao de tristeza e disse que depois das provas ela nao permaneceria mais conosco. Diante da indignacao de todos, ela limitou-se a explicar que a escola nao concordava com a metodologia dela, mas que o proximo professor certamente iria nos ensinar a gramatica bem direitinho. O resto da conversa eu nao ouvi. Pedi pra ir ao banheiro porque nao conseguia mais disfarcar as lagrimas que me enchiam os olhos. Ela olhou bem fundo pra mim e disse: va. Eu fui. E chorei. Chorei copiosamente, chorei de indignacao, chorei de impotencia, chorei pela injustica, chorei pela falta que ela iria me fazer... Chorei porque nunca disse a ela o quanto a admirava, o quanto ela significava pra mim.

Em uma epoca que a gente procura modelos a seguir, ela era o ideal de mulher que eu queria ser. Forte, segura, determinada, inovadora, sensivel, compreensiva e conselheira. Jamais tive noticias suas, mas acho que ainda hoje eu me inspiro nela...